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A falácia da Kiss


Foto: Renan Mattos (Diário)

Desde a fatídica madrugada de 27 de janeiro de 2013, quando o mundo se voltou para a distante Santa Maria que se mostraria o cenário do segundo maior incêndio do Brasil -, ficando atrás apenas da mortandade do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói, na década de 1960, que matou mais de 500 pessoas -, muito já se falou sobre a tragédia da Kiss.

Ainda é dito que se tratou de um triste acontecimento. De forma que, ao se colocar nesses termos, é como se amenizasse e se tentasse minimizar o horror daquela noite. Ou ainda, é como se a morte por asfixia - combinada à colocação de uma espuma imprópria de segunda mão e altamente inflamável - fosse menos horrível quanto uma morte pelo fogo do incêndio. Horror, mesmo, é a capacidade de se tentar, com o passar do tempo, diminuir o que houve aqui ou, o pior de tudo, de tentar colocar um ponto final em uma história tão dantesca.

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Nesses mais de seis anos, há quem diga que "depois da Kiss, Santa Maria nunca mais foi a mesma" ou que "a Kiss atrasou muito a cidade". Tentar creditar à tragédia de 27 de janeiro o fato de Santa Maria patinar, ano após ano, em índices de crescimento e de capacidade de se reinventar economicamente e de superar tantos gargalos é, no mínimo, patético. Para não se dizer que é um ato de má-fé ou de falta de caráter. O fato é que, realmente, Santa Maria nunca mais será a mesma para aqueles pais que viram seus filhos saírem para se divertir - jamais imaginariam que pela última vez - e serem tragados pelo cianeto liberado durante o incêndio.  

Nesta semana, quando o processo criminal - o principal - teve um recurso julgado no STJ, o ministro relator do processo, Rogério Schietti, sintetizou de forma didática ao dizer que, mesmo que se tivesse sido uma única morte, por si só seria "um resultado danoso à vida humana". Mas na cidade onde a tragédia se deu, há ainda quem acredite que tudo não passou de uma lamentável tragédia - nada mais que uma alegação estapafúrdia e que foi derrubada desde as primeiras horas após o sinistro. Até porque a leniência e a inoperância das autoridades públicas somadas à irresponsabilidade dos donos da casa noturna de permitirem a utilização de um artefato pirotécnico, em um local fechado, se mostrou a combinação para o cenário de horror que rodou o mundo.

Tentar afiançar à Kiss o atraso da cidade é típico de um provincianismo e de uma mentalidade pequena de segmentos que sequer são capazes de abrirem o comércio aos domingos e que tentam afugentar investimentos de fora e, agora, se agarram à tragédia para justificar sua própria incompetência.

Respeito aos jovens e à memória deles e, igualmente, aos pais e aos mais de 600 sobreviventes é o mínimo que se pode exigir de quem se diz humano. 

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